2006/01/26

A calçada

Nas ruas da solidão
Vai minh'alma já cansada,
A cumprir a obrigação
De subir uma calçada.

Nas terras da servidão
Mora a pobreza humilhada
Sonhando a libertação
Eternamente adiada.

Queira ou não queira a cidade
O cântico da unidade
É som da nova canção.

Sai à rua toda a gente
E a calçada lentamente
Vai perdendo inclinação.

(poema de José Corceiro dedicado a Odete Santos)

2006/01/23

Força emergente? O Bloco? Não me parece!


Há dirigentes do Bloco de Esquerda que gostam de fazer constar que o Bloco será – ainda será – uma força emergente. Foi o que aconteceu ontem à noite, quando, Fernando Rosas, se defendeu como pôde do decepcionante resultado obtido por Francisco Louçã, retorquindo que o Bloco de Esquerda é uma força emergente. Ana Drago fez ainda pior: quis constar que o BE não é bem um partido mas antes um movimento!?

Tal não me parece ser bem assim. Parece-me sim que o BE já foi uma força emergente. E o espantoso é ter deixado de o ser, decorrido que está tão pouquíssimo tempo. Espantoso, é o facto de o BE, no curto espaço de um ano, após as últimas legislativas, ter sofrido uma tão grande erosão, ter rapidamente passado de emergente a divergente.

Quatro ideias, para pensar:
1ª - Não se aguentou nas eleições autárquicas de Outubro passado, deixando de ter expressão. O BE não é sequer uma força autárquica, tendo malbaratado essa recente oportunidade eleitoral.
2ª – Francisco Louça fica, nestas presidenciais, bem aquém das expectativas por ele criadas e alimentadas por quase todas as sondagens. Entregou no Tribunal Constitucional um orçamento de campanha a contar com 9,1% de votos. Arrecadou 5,3%.
3ª – O BE já pouco ou nada difere, no essencial do seu comportamento, daquilo que é o agir tradicional dos partidos sistémicos.
4ª – O BE, não só não é movimento, como tende velozmente a ser um partido instalado, como instaladas estão as pessoas que o compõem.

Como foi possível que uma força emergente, em tão pouco tempo, ficasse tão igual a outros e ainda por cima comece já a arrecadar derrotas eleitorais.
A emergência, é mais de saída?!

O grande esquecimento de Cavaco


Cavaco, eleito Presidente, agradeceu a tudo e a quase todos. Até nem poupou os candidatos adversários, claro está. Mas teve um lamentável e imperdoável esquecimento, na medida em que não agradeceu ao talvez mais directo e determinante responsável pela sua eleição: José Sócrates.
E podia tê-lo feito sem sequer revelar a secreta estratégia de Sócrates.

Por exemplo, agradeceria ao secretário-geral do PS, a escolha e apoio do partido maioritário a um tão bom candidato, a escolha certa, não obstante ter ficado em terceiro lugar com apenas 14,3%. Espírito de sacrifício.
Ou agradecia a boa disputa eleitoral, logo com dois candidatos do PS de tão excelente qualidade, um ex-Presidente da República, e outro, actual vice-presidente da Assembleia da República. Espírito generoso.
Ou agradecia as políticas sociais concretas do primeiro-ministro que fez de conta que não sabe que os portugueses, como outros, também escolhem com o coração e com o estômago. Notável “sentido de Estado”.

Resta-me uma dúvida: Sócrates votou mesmo em Cavaco?
Até isso Cavaco poderia ter agradecido a Sócrates.

2006/01/18

Ary, diz-me onde estás…


Completam-se hoje 22 anos sobre o desaparecimento de um enorme poeta do século XX: o inconfundível Ary.
Deixo este pouco tanto dele:


Estigma
Filhos dum deus selvagem e secreto
E cobertos de lama, caminhamos
Por cidades,
Por nuvens
E desertos.
Ao vento semeamos o que os homens não querem.
Ao vento arremessamos as verdades que doem
E as palavras que ferem.
Da noite que nos gera, e nós amamos,
Só os astros trazemos.
A treva ficou onde
Todos guardamos a certeza oculta
Do que nós não dizemos,
Mas que somos.

2006/01/17

Em Roma, recomendo o restaurante "l'archetto"

Aos visitantes de Roma que procurem um restaurante aprazível e simpático recomendo o "l'archetto".
Fica situado numa rua próxima da conhecia fonte Trevi e a poucos minutos a pé do Teatro Quirino. O restaurante prolonga aliás a abertura depois de terminado o espectáculo naquele teatro. Designa-se a si próprio de "spaghetteria-pizzeria" mas apresenta uma variada e gostosa ementa adaptável a todos os gostos da gastronomia romano-italiana. O serviço é simpático como curioso é o facto de os preços ainda serem acompanhados do respectivo contra-valor em liras. Se for conduzido ao piso inferior não se incomode. É igualmente cómodo, desde que em Itália é "vietato fumare" em todos os restaurantes.
Não confundir este restaurante com outro, do mesmo nome, na turística e comercial Via Cavour. O recomendado fica numa pequena viela que dá pelo mesmo nome: Via dell'Archetto, 26, Roma, Tel 67.89.064.

2006/01/16

Não se abespinhem tanto, senhores (as) jornalistas

Tem sido de novo suscitada a questão dos comportamentos da comunicação social e dos critérios jornalísticos a propósito da cobertura da campanha para as presidenciais. Essa denúncia tem vindo a ser feita recentemente por uma candidatura presidencial. Não acompanhei todos os pormenores nem ao caso isso interessa. Interessa sim questionar a reacção quase invariável dos visados, os jornalistas, independentemente da crítica de que são objecto.

Não discuto se o candidato e os seus apoiantes têm ou não razões, embora julgue que algumas terão. Há porventura pelo menos um aspecto em que muitos têm razão: a comunicação social elegeu já o novo Presidente da República, antes de o ser, e o visado agradece, claro, porque lhe estenderam o tapete vermelho até Belém. Há pelo menos um ano que o tapete está estendido. Ainda o próprio não era sequer putativo candidato. Todos sabemos de quem se trata e todos sabemos que o papel formativo, da comunicação social, mormente da televisão é inegável e indisfarçável. Esse inegável fenómeno mediático deve-se a alguém, ou não? Alguém fez as “notícias”, ou não?

Discuto sim a reacção dos jornalistas, genericamente.
Acontece que, invariavelmente, os visados, e os não visados por eles, se opõem sempre às razões, se abespinham, exageram e generalizam a crítica a tudo e todos, e, quando já não podem mais defender-se do indefensável, confinam-se ao seu comportamento pessoal e repetem: mas eu cá sou isento e plural.
Surpreendente é o facto de os jornalistas em geral pensarem que, ou são imunes à critica, ou são infalíveis ao erro, ou não haveria na sua profissão maus e bons profissionais, ou não fosse cada órgão de informação, antes de mais, uma empresa, na forma fatídica de uma sociedade comercial, cujo escopo é a obtenção de lucro. Como poderá conceber-se uma sociedade lucrativa sem comando empresarial? Alguém me diz? Como é que um excelso e impoluto jornalista se comporta nesse meio? Nunca, numa profissão tão sensível se ofendeu a deontologia? Nunca ninguém deu uma facada na imagem de outrem, misturou a informação com a opinião, fez juízos precipitados? Que santinhos que eles são. Quem estendeu afinal o tal tapete vermelho?

Não somos ingénuos. Decididamente os jornalistas, talvez mesmo o seu sindicato, têm que fazer um enorme e bem visível acto de contrição relativamente às muitas maldades e à falta de qualidade informativa que infelizmente grassa por muita da nossa comunicação publicada e divulgada. Não se abespinhem. Esse papel cabe aos leitores, radiouvintes e telespectadores.

Se discordam dele, zanga-se logo…


O Sr. Cavaco Silva, putativo novo presidente da República, se o povo eleitor não abrir os olhos, tem um modo peculiar de reagir à diversidade de opiniões: zanga-se facilmente com quem dele discorda. Transforma diferenças de opinião em gestos de má educação e divergências políticas em ataques pessoais.
Foi isso o que se viu nos debates pré-presidenciais e, agora, sempre que quer sacudir a água do capote. O Sr. Cavaco Silva vive mal com a democracia. Prefere, de longe, o governo de uma só pessoa!? Ou a bastonada!? Sim, porque quando era primeiro-ministro convocou por diversas vezes os bastões da política contra trabalhadores e manifestantes.

Como poderá pretender, o Sr. Cavaco, ser Presidente de uma República democrática quando é certo que o confronto de opiniões, que abomina, corre nas veias de qualquer democracia saudável?
O que nos acontecerá quando, uma vez na Presidência, se lá chegar, discordarmos dele?
Instaura o terrorismo de pensamento único? Zanga-se com parte do País?

Safa! *

(* expressão usada por Cavaco Silva no Parlamento em 1994)

2006/01/11

In memoriam


Um abraço ao Artur Ramos, destacado encenador e realizador. Foi o primeiro realizador que a RTP teve, no seu já longo trajecto. Até um dia.

2006/01/10

É Criança, não paga. No nosso Metro, já paga.

Pomona
Estação Picoas - Escultura de Martins Correia - Fotografia de José Carlos Nascimento
no site do Metropolitano de Lisboa

Esta expressão ouvi-a eu, por diversas vezes, durante a recente visita a Roma. A criança em causa tem seis anos de idade, e nada pagou no Metro, no autocarro turístico em Roma, no "Leonardo express" – o comboio que liga o aeroporto de Fiumicino a Roma Termini –, nas entradas em recintos de interesse turístico e exposições, nem no Museu do Vaticano que dá acesso à capela sistina. Invariavelmente, diziam-me, "i bambini" não pagam. Era como se estivesse na "Terra do Nunca" ou num Mundo cujos reis e rainhas sejam as crianças. Óptimo!

Por cá as rocas fiam mais fino. As crianças pagam sim senhor. A primeira pergunta que aqui é logo disparada, em tom inspectivo e semblante dubitativo, é, invariavelmente, a seguinte: que idade tem a criança? É, só depois, em função desse número mágico, que as coisas se decidem.

Por exemplo, no Metro de Lisboa, qualquer criança com mais de 4 anos de idade paga bilhete inteiro, como se fosse adulta. Mais, as bilheteiras mecânicas nem essa informação prestam aos zelosos utentes. O cliente que adivinhe se quiser. Uma criança que vá ao cinema, deslocando-se de Metro, paga 4 € pela diversão e 1,40€ pelo transporte (35%). Zás!

Parece que não queremos bem que as nossas crianças cresçam, avancem na idade. Crescer na idade acarreta o ónus de pagar, não tanto o de contribuir para a harmonia da sociedade ou o “dever” de preparamos as crianças para essa convivência. Fará isto sentido? Podem, um dia destes, ao menos, começar a pensar nas crianças que crescem para o Mundo e não nas crianças como estorvo ou fonte lucrativa?

2006/01/09

“A sociedade industrial em que vivemos e que consideramos normal, desejável e viável, é de facto aberrante, destruidora e condenada a curto prazo”

(Edward Goldsmith, fundador da Revista “The Ecologist”, ao “Courrier International”)

Os preços aumentam, os salários consomem-se em nada


A expressão, e sobretudo o queixume, acerca do aumento dos preços já quase parecem um lugar comum. É tão vulgar acontecer e sobretudo é tão certo ocorrer quão certa a morte ocorre. Sim, é mesmo triste. Só não é triste para quem não conta o dinheiro que recebe ao fim do mês – esses até são poucos – ou para quem ainda não tenha que fazer tais contas.

Desta vez os aumentos são mesmo carregados e pesados.
Eis alguns exemplos:
· Electricidade - 2,3%
· Portagens - 2,8%
· Transportes (em média) - 2,3%
· Pão - 10%
· Taxas moderadoras - até 9%
· etc, etc.

Já em 2005 havíamos assistido a significativos aumentos de bens e serviços:
· Electricidade - 2,3%
· Transportes (4 aumentos em 8 meses) - 10%
· Pão - 10%
· Propinas - 11,5%
· Gás - 8,3%
· Gasolina - 13%
· IVA - de 19% para 21%

É de mais e o que é demais basta.
Acresce que a distribuição nacional da riqueza continua cada vez mais desequilibrada, acentuando as desigualdades. Por isto: em Portugal, 73% da população activa recebe apenas 40% da riqueza criada.
Tudo isto mexe com o bem-estar das pessoas. Esse bem-estar afectado só arrasta desolação, muitas vezes vidas questionadas. Não foi para isto que os nossos pais nos puseram no Mundo. Haja decoro. O equilíbrio do défice e a “treta” das contas públicas não explica esta delapidação desenfreada do nosso bem-estar.

2006/01/04

Parabéns Vanessa


Parabéns à Vanessa Fernandes que, quase sem darmos por isso, terminou a época passada no topo mundial, e ainda por cima com apenas 20 anos de idade (nasceu a 14 de Setembro de 1985).
A modalidade olímpica de triatlo compõe-se de três segmentos, sendo 1,5 km em natação, 40 km em bicicleta e 10 km em corrida. Não tem a espectacularidade de uma prova de fundo, ou outra. Contudo, pelas distâncias a percorrer e o esforço que tal superação representa, qualquer leigo perceberá que a prova inspira reverência.

Duas notas se impõem:
1ª – Temos juventude que se preza e dá ao respeito. Chapéu!
2ª – A ditadura futebolística apanhou mais um bigode. Com fracos recursos e humildes apoios financeiros conseguem-se êxitos que o futebol apenas só promete.

‘tá mesmo mal o «eixo do mal»


O «eixo do mal» é uma espécie de objecto televisivo não identificado, que ocupa precioso espaço de emissão na Sic-Notícias. Quatro irrelevantes e menos ilustres senhores, ao lado de uma senhora, sentados à volta de uma mesa, despejam raiva e frustração, exercitam-se na maledicência e julgam-se ainda com imensa piada.

Já alguém se riu?
Duvido!
Não surgem ideias que prestem.
Quase só lugares comuns e tiques nervosos.
É uma “ganda” seca!
Que ressuscitem então a «Noite da má-língua».
Ou já acabaram com o eixo? Boa!

(talvez volte a este assunto oportunamente)

2006/01/03

A felicidade é intangível

A felicidade conquista-se, e merece-se, na medida em que existe um direito à felicidade, posto ao serviço de um dever de ser feliz. Existem aliás diversas “felicidades”, vividas no tempo e no espaço, que se interpenetram e se influenciam reciprocamente. Vivemos com elas e delas. De igual modo acontece com “outra”: a individual, partilhada ou não, e a felicidade geral, que nunca perde as suas componentes individuais e delas se alimenta.
Acontece que a felicidade tem as suas leis – subjectivas, feitas à medida de cada um(a) – e sobretudo limites invioláveis. São limites a partir dos quais a felicidade cessa ou pelo menos se comprime.
É preciso dizer-lhes – aos mandantes – onde estão esses limites e mostrar-lhes onde a queremos conquistada, essa felicidade partilhada.
Os dirigentes políticos que se cuidem bem. Só por isto: a política não pode menosprezar a felicidade.
A felicidade é como um grito de liberdade.E a liberdade, tal como a felicidade, quer-se intangível.

2006/01/02

Parecer sério, não basta

O candidato a Presidente, Sr. Cavaco Silva afirmou recentemente na televisão que “duas pessoas igualmente sérias e informadas chegam necessariamente a acordo”. Daqui decorre que, como o próprio se autoproclama sério e informado – aliás nunca tem dúvidas e raramente se engana –, só não haverá acordo quando esteja perante pessoas não sérias e mal informadas.
O Sr. Cavaco Silva já estabeleceu o anátema para futuro relacionamento institucional. Sócrates que se cuide com os desacordos presidenciais fundados na sua falta de seriedade e insuficiente informação.
Mas também o seu relacionamento com a sociedade civil crítica e contestatária sofre desde já de um pecado original. Nós aqui, para o Sr. Cavaco Silva, não seremos nem sérios nem bem informados. Só o será quem pensa monolíticamente, do mesmo modo que ele, o Sr. Cavaco. Assim, o acordo estará sempre garantido.

Safa!*


(* expressão usada por Cavaco Silva no Parlamento em 1994)

Mais este Blog!?

Parece que os Blogues estão na moda. Tal se deverá porventura ao nosso défice de conversa, à escassez de espaço para opinar, à falta de nos darem ouvidos ou ainda a outras causas maiores. Sem dúvida, o Blog dá jeito para desabafar. Certo é, que este Blog abre na corrente, ainda que contra a corrente.

Ele vai contra a corrente porque não queremos que seja só mais um Blog, mas antes um meio sério e maturo para questionar, ainda que envolvendo o lúdico, as chamadas linhas de pensamento único, a mediocridade informativa e opinativa que nos rodeia e sufoca. Um grito de inconformismo, sim.

Este Blog quer-se
irreverente,
frontal,
desconcertante,
criativo,
interrogativo…

Não se quer medíocre ou botabaixista, nem acolherá a crítica barata, a má-língua e a desfaçatez.

Mas será crítico, mordaz, cáustico em tudo quando se entenda deva merecer tal tratamento, porque queremos contribuir para o abanão que a sociedade reclama. Novo é querer esse abanão; julgar, candidamente, que isto lá vai também com um Blog.

Conceda-se-nos esse sonho!
Porque o sonho comanda a vida!


Bruno Dias
João Oliveira
Luís Corceiro

Lisboa, 1 de Janeiro de 2006