2006/07/07

Conversa de xadrez (3) – o sacrifício

Enquanto isto, a cavalaria de ambos os lados toma posições estratégicas sempre apoiada pelos infatigáveis peões. A tal ponto, que a dama branca se sente ameaçada por um cavaleiro preto que se posiciona em f-6. Ela antecipara este momento. Inicia-se então o assalto ao reduto real contrário. Da maneira mais nobre e esplendorosa.
Na linha mais dianteira da frente de combate a intrépida dama de branco inicia o seu ritual. Vai sacrificar-se, por amor ao seu imerecido Rei. Altiva, destemida, de semblante enobrecido, avança um passo firme e decidido para a garganta do inimigo, enfrentando-o no seu fortim de fogo e ferro. Ela dá-se, como quem só dá, sem nada receber.
– Alto aí – riposta o rei adversário – eu não convidei sua Alteza para o baile.
Era tarde demais. Para fazer a corte à rainha branca foi escalonado um singelo peão, em f-7, que sorrindo, a contragosto, lá foi posicionar-se no lugar do sacrifício, em g-6. A dama sai de cena, majestosa e bela. O sacrifício da dama branca fora um golpe violento. Nada mais havia a fazer. Fora afinal um presente envenenado.
Ouvem-se ao longe as fanfarras das brancas hostes que, hilariantes pela vitória pré-anunciada, fazem de novo avançar a cavalaria. Nisto, o potente alvo lusitano salta elegantemente para e-7, e, de uma assentada, mortífero, esmaga o esforçado bispo preto, instala-se em posição de combate dominante, coloca o seu prelado na linha da excomunhão real e saúda as hostes, em êxtase, com um dramático grito de guerra.
Échec au roi! – soou em todo o campo de batalha, em Elvis.
Fez-se silêncio sepulcral. Depois, apenas um rumor do soberano.
– O baile findou! Permita-se-me apenas mais um pulinho real.
Sem ouvir resposta, deu-o, para a casa da torre sineira, a única ainda vaga.
Cheque mate ao rei preto! – gritou, de novo, o confiante cavaleiro andante, desta feita em posição definitiva, em g-6, vindo de e-7.
– Ui! Gemeu o Rei, ferido de morte.

Sua majestade tombara, honradamente, mas sem glória, após treze assaltos.
Como por vezes acontece na vida, venceu a grosseria sobre a delicadeza.
As pretas saem de cena, com o seu Rei morto, destroçadas.
As brancas rejubilam e nem choram o sacrifício da sua heroína dama.
O roque é, desde então, recordado com saudade.
O branco, já não é a cor da paz.

Fim