2006/05/24

Futebol e Função Pública

Quando ouvimos um jogador de futebol justificar a derrota sofrida pela sua equipa aceitamos com naturalidade as explicações que nos são dadas. Ainda que nem sempre essas explicações sejam dadas no uso correcto da Língua Portuguesa compreendemos o esforço e a entrega daqueles profissionais, a sua dedicação ao clube que representam e à actividade que praticam e aceitamos com naturalidade a sua impotência face aos motivos de força maior que quase sempre estão na origem dos seus desaires.
Raramente temos esta atitude para com qualquer outro trabalhador ou funcionário. Especialmente se se tratar de algum que pertença àquelas classes repetidamente caracterizadas como preguiçosas, laxistas ou parasitas, como os funcionários públicos.
Imaginemos qual seria a nossa reacção se nos deparássemos com uma conferência de imprensa convocada por um enfermeiro, um professor, um funcionário das finanças, de um tribunal ou de qualquer outra repartição pública para dizer o seguinte:

Jornalista – Não correu bem isto hoje?
Funcionário Público – Pois, infelizmente não fomos capazes de atingir os nossos objectivos. Sabíamos de antemão que ia ser difícil, fizemos tudo o que pudemos, trabalhámos muito, mas infelizmente confirmaram-se os nossos receios e não fomos capazes de superar os obstáculos.
Jornalista – Mas acha que falhou alguma coisa na estratégia que tinham preparado para este desafio?
Funcionário Público – Não, não. Ao longo da semana preparámos a estratégia para este desafio em função dos obstáculos que já sabíamos que iríamos encontrar. O problema é que não tivemos a sorte do nosso lado e quando assim é torna-se tudo mais difícil.
Jornalista – Apesar do desaire sofrido faz portanto uma avaliação positiva, é isso?
Funcionário Público – Sim, acho que no fim de contas fizemos um bom trabalho. Cumprimos as orientações que tínhamos, estivemos muito perto de atingir os nossos objectivos mas depois, já muito perto do final, acabámos por ceder.
Jornalista – Acha que os assobios que se ouviram das bancadas influenciaram o vosso desempenho?
Funcionário Público – Acabam sempre por influenciar. Quando aqueles que nos deviam apoiar são os primeiros a deitarem-nos a baixo nas alturas em que mais precisamos de apoio, é óbvio que o nosso trabalho fica ainda mais difícil. Espero que no futuro tenhamos melhores resultados para que possamos dar alegrias a todos esses e mostrar-lhes que estão errados quando nos criticam.
Jornalista – Acha portanto que este mau momento não é irreversível?
Funcionário Público – Não, tenho grande confiança neste colectivo, somos um grupo muito unido e saímos daqui de cabeça erguida. Estou certo de que no futuro vamos conseguir melhores resultados e de que vamos chegar ao fim orgulhosos do nosso trabalho. Desde que nos dêem as condições adequadas ao nível de competição em que nos encontramos estou certo de que conseguiremos atingir os objectivos a que nos propusemos.

Imagine-se o que seria termos o mesmo nível de compreensão para com estes trabalhadores que temos para com os jogadores de futebol. Seríamos mais exigentes para com os jogadores de futebol que perdem jogos e campeonatos apesar de ganharem milhões e terem todas as condições de trabalho ou compreenderíamos melhor o trabalho dos funcionários públicos que ganham muito menos e muitas vezes não têm condições para fazerem o seu trabalho? Certo, certo é que seríamos de certeza mais justos sem os preconceitos que hoje mantemos…